quinta-feira, 26 de abril de 2007
Reflexão sobre a Solidão e a Amizade.
"Nas sociedades modernas, fazer amigos está virando artigo de luxo. O ser humano perdeu o apreço por uma relação horizontal eqüidistante. Ele gosta de anular o outro e de que o mundo fique aos seus pés. Mas Cristo, nos últimos dias da sua trajetória nesta terra, expressou que queria muito mais do que admiradores, queria amigos. Não há relação mais nobre do que ser e ter amigos. Os amigos se mesclam, confiam mutuamente, desfrutam do prazer juntos, segredam coisas íntimas, torcem uns pelos outros. Os amigos não anulam um ao outro, mas se completam.
Quem vive sem amigos pode ter poder e palácios, mas vive só e triste. Quem tem amigos, ainda que não tenha status e viva num casebre, não se sentirá só. A falta de amigos deixa uma lacuna que dinheiro, poder, cultura, sucesso, não podem preencher.
Todos precisamos de amigos, os quais não compramos, mas conquistamos, cultivamos. Muitos querem tê-los, mas não sabem como conquistá-los. Os amigos não são aqueles que gravitam em torno de nós, que nos rodeiam pelo que temos. Não, são aqueles que nos valorizam pelo que somos. No mundo biológico, os animais se agrupam pela necessidade instintiva de sobrevivência. Na nossa espécie, as amizades surgem por necessidades mais íntimas como tentativa de superar a solidão.
A comunicação interpessoal realizada através dos sons(palavras) e das imagens(gestos, expressões faciais) são deficientes e limitadas. Se não construirmos um relacionamento aberto, despreconceituoso e despretensioso, as pessoas não compreenderão nossos sentimentos e pensamentos mais íntimos, que ficarão seqüestrados dentro de nós mesmos e nos imergirão numa solidão social. Por estarmos ilhados dentro de nós mesmos, precisamos de amigos, precisamos superar uma das características mais marcantes da nossa espécie: a solidão.
Tanto o mais desprezado súdito como o mais poderoso rei podem padecer de solidão.O primeiro porque é rejeitado por todos, o segundo porque é supervalorizado por todos e, conseqüentemente ninguém se aproxima dele com naturalidade e espontaneidade. Cristo era tanto drásticamente rejeitado como profundamente admirado. Todavia, as duas posições não o agradavam. Muitos amam o trono, amam o ribombar dos aplausos, mas Cristo era diferente. No fim de sua vida, no ápice do seu relacionamento com os discípulos, ele os retirou da condição de servos e os colocou na posição de amigos. Parecia que estava querendo vaciná-los contra um relacionamento impessoal, distante, que permeava a relação do povo de Israel com Deus, expressa nos livros de Moisés e dos profetas.
Certa vez, Cristo disse que muitos o honravam com a boca, mas tinham o coração longe dele. Parecia dizer que toda aquela forma distante de honrá-lo, adorá-lo e supervalorizá-lo não o agradava, pois não era íntima e aberta.
Cristo se preocupava com que as relações entre seus discípulos fossem próximas físicamente e, ao mesmo tempo distantes interiormente. Sua preocupação era legítima e fundamentada. Sabia que seria facilmente superadmirado e, desse modo, as pessoas se tornariam distantes dele, perderiam o contato direto, aberto, simples e prazeroso com ele. De fato, isto ocorreu bastante ao longo da história. Julgando tributo a Cristo, até fizeram guerra em seu nome. Isto ocorreu em muitas gerações e ocorre ainda hoje. Na Irlanda do Norte, católicos e protestantes viveram por muitos anos numa praça de guerra, travando conflitos sangrentos. Como é possível fazer guerra em nome daquele que dava a outra face, que era o exemplo mais vivo da antiviolência e da tolerância? Muitos discursavam sobre ele e o admiravam como um grande personagem, mas se afastavam das suas características fundamentais.
João, o discípulo, foi um amigo íntimo de Cristo. Ele teve o prazer e o aconchego da sua amizade. O desejo do mestre em ter amigos o marcou tanto que, mesmo quando velho, ele não se esqueceu de registrar em seu evangelho os três momentos em que Cristo chama seus discípulos de amigos. Muitos dos que o seguiram ao longo das gerações não enxergaram essa característica. Eles não compreenderam que Cristo procurava mais do que servos, mais do que admiradores, mais do que homens prostrados aos seus pés, mas amigos que amassem a vida e se relacionassem íntimamente com ele.
Engana-se quem acha que Cristo tinha uma vida enclausurada, fechada , tímida e triste. Ele era totalmente sociável. Contudo, em alguns momentos, sentia necessidade de se isolar socialmente. Mas isto só ocorria quando tinha necessidade íntima de meditar.
Quem não tem estes momentos aprisiona a sua emoção e não supera a solidão intrapsíquica. Uma das mais belas aventuras que o homem pode empreender é velejar dentro de si mesmo e explorar seus territórios mais ocultos. Cristo era um caminhante nas trajetórias do seu próprio ser. Tinha prolongados momentos de reflexão, meditação e oração. É difícil a psicologia emitir opinião sobre o que ocorria com ele nesse momento, mas, provavelmente, havia um reencontro consigo mesmo, com o Pai que ele expressava estar em seu interior, com sua história, com seu propósito transcendental. Nesse momento ele restabelecia suas forças e refazia suas energias para enfrentar as enormes turbulências da vida.
Afora seus momentos de interiorização e meditação, ele estava sempre procurando convívio social, ele tinha prazer em conviver com as pessoas. Estava sempre mudando de ambiente a fim de estabelecer novos contatos. Freqüentemente tomava a iniciativa de dialogar com as pessoas. Deixava-as curiosas e prendia a atenção delas. Gostava de dialogar com todas as pessoas, até as menos recomendadas, as mais imorais. Fazia questão de procurá-las e estabelecer um relacionamento com elas. Por isso, escandalizava os religiosos da sua época, o que comprometia sua reputação diante do centro religioso de Jerusalém. Porém o prazer que sentia ao se relacionar com o ser humano era superior às conseqüências da sua atitude, da má fama que adquiria, para a qual ele, aliás, não dava importância; o que importava era ser fiel à sua própria consciência.
Ele não rejeitava nenhum convite para jantar. Fazia suas refeições até na casa de leprosos. Havia uma pessoa chamada Simão que tinha lepra, conhecida hoje como hanseníase. O portador dessa doença naquela época era muito discriminado, pois muitos deles ficavam com os corpos mutilados e eram obrigados a viver fora da sociedade.
Simão era tão rejeitado em sua época que era identificado por um nome pejorativo, “Simão, o Leproso”. Porém, como Cristo abolia qualquer tipo de preconceito, fez amizade com Simão. Nos últimos dias de sua vida, ele estava em sua casa, junto à mesa, provavelmente fazendo uma refeição. Se Cristo tivesse vivido nos dias de hoje, não tenham dúvida de que seria amigo dos portadores de AIDS. Sua delicadeza para incluir e cuidar das pessoas excluídas socialmente representava um belo retrato de sua elevada humanidade.
Embora os fariseus tivessem preconceito contra Cristo, o mesmo não ocorria por parte de Cristo. Ele, se convidado, jantava nas casas dos fariseus, mesmo que fossem seu críticos.
Cristo tinha uma característica que se destaca claramente em todas as suas biografias, mas que muitos não conseguem enxergar. Era tão sociável que participava continuamente de festas. Participou da festa em Caná de Galiléia, da festa da Páscoa, do Tabernáculo e muitas outras.
Cristo se regalava quando estava à mesa. Estendia seus braços folgadamente sobre ela, o que indica que não tinha muitas formalidades, procurando sempre a espontaneidade.
Naquela época, não havia restaurantes, mas se ele tivesse vivido nos dias de hoje, certamente teria visitado muitos deles com seus amigos, e aproveitaria os ambientes descontraídos que as refeições propiciam para proferir algumas das suas mais importantes palavras. De fato, ele proferiu alguns dos seus mais relevantes gestos, não nas sinagogas judias, mas junto a uma mesa.
Cristo se misturava tanto com as pessoas e apreciava tanto jantar e conviver com elas que recebeu uma fama inusitada de “glutão” e bebedor de vinho. Ele até mesmo comentou sobre essa fama que tinha recebido. Disse que seu precursor, João Batista, comera mel silvestre e gafanhotos e recebera a fama de ser estranho, um louco, alguém que vive fora do convívio social. Agora, tinha vindo o “filho do homem”, que sentia prazer em comer e conviver com as pessoas, e, devido a esse comportamento tão sociável e singelo, acabou recebendo a fama de glutão. Uma fama injusta, mas que era reflexo da sua exímia capacidade de se relacionar socialmente. Cristo era um grande apreciador de comida. Gostava inclusive de prepará-las.
Embora injusta, fico particularmente contente com sua fama de glutão. Não me alegraria se ele tivesse a fama de ser uma pessoa socialmente estranha, fechada, enclausurada. Ele não seria tão acessível e atraente se as pessoas tivessem de fazer sinais de reverência, mudar seu tom de voz e modificar seus comportamentos para se achegar a ele.
Cristo era simples e sem formalidades, por isso envolvia qualquer tipo de pessoa em qualquer ambiente. Muitos não conseguem nem sabem como fazer amigos, mas o mestre da escola da existência era um especialista em construir relações sócias saudáveis. Ele atraía os homens para si e os transformava em seus amigos íntimos pelas ricas características de sua personalidade, principalmente sua amabilidade, sociabilidade e inteligência instigante.
As relações sociais têm sido pautadas pela frieza e pela impessoalidade. Todos temos necessidade de construir relacionamentos sem maquiagens, abertos e desprovidos de interesses ocultos. Temos uma necessidade vital de superar a solidão. Todavia, o prazer pelo diálogo está morrendo. A indústria do entretenimento nos aprisionou dentro de nossas próprias casas, dentro dos nossos escritórios. Estamos ilhados no videocassete, na TV e nos computadores. Nunca houve uma geração como a nossa, que teve tanto acesso a diversas formas de entretenimento, todavia conhece como nenhuma outra a solidão, a ansiedade e a insatisfação".
trecho do livro "A Análise da Inteligência de Cristo" de Augusto Jorge Cury.
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2 comentários:
Lindo Texto Flor... me fez pensar muito sobre a verdadeira amizade!!
Lindo lindo
Bjos querida
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