terça-feira, 15 de maio de 2007
As necessidades universais do homem e a arte de amar
De todas as características da escola de Cristo, a do amor é a mais elevada e a mais nobre e, ao contrário do que possamos pensar, é uma das mais difíceis de se compreender, pois ultrapassa os limites da razão lógica. Amar uns aos outros era um princípio fundamental. Estamos acostumados com a cultura cristã e por isso não ficamos intrigados com essas palavras. Do ponto de vista psicológico, amar uns aos outros é uma exigência poética e bela, mas ao mesmo tempo, altíssima e dificílima de ser alcançada.
Freud, na teoria da psicanálise, deu ênfase à sexualidade. O instinto sexual e os conflitos gerados por ele estão no cerne de muitos textos psicanalíticos. Não há dúvida de que determinados conflitos sexuais estão na base de algumas doenças psíquicas. Contudo, a tese freudiana de que todos os fenômenos inconscientes se explicam por experiências infantis ligadas à libido(energia sexual) é limitada e inaceitável. Temos que considerar o ser humano além dos limites da sexualidade, além dos limites dualistas da relação homem-mulher, e o compreendermos na sua totalidade, de uma forma a podermos ir ao encontro de suas necessidades universais.
O que mais somos em grande parte do nosso tempo? Homens ou mulheres, machos ou fêmeas? Se estudarmos a construção da inteligência e as necessidades psíquicas fundamentais, constataremos que na maior parte de nosso tempo(provavelmente noventa por cento) não somos nem machos nem fêmeas, homens ou mulheres, mas apenas seres humanos, que possuem necessidades universais.
Quais são essas necessidades universais? Necessidades de prazer, de entretenimento, de sonhar, de ter sentido existencial, de superar as angústias existenciais, de transcender os estresses psicossociais, de superar a solidão, de desenvolver a criatividade, de trabalhar, de atingir objetivos, de alimentar-se, de repor as energias durante o sono, de amar e também de satisfação sexual. Quando procuramos evidenciar excessivamente nossa masculinidade ou feminilidade, provavelmente está havendo comprometimento da sanidade psíquica.
Amar é provavelmente a necessidade universal mais sublime e mais difícil de ser entendida. Os romancistas discursaram sobre o amor, os poetas o proclamaram, mas na prática não é fácil conquistá-lo.
Cristo discursava sobre um amor estonteante, um amor que gera uma fonte de prazer e de sentido existencial. Aquele simples homem de Nazaré, que teve tantas dificuldades na vida, que sofreu desde a infância e, quando adulto, não tinha onde reclinar a cabeça, não apenas destilou sabedoria da sua dor e extraiu poesia da sua miséria, mas ainda achou fôlego para falar de um amor arrebatador: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.”
Na sua última ida a Jerusalém, logo antes da crucificação, ele sofreu intensa perseguição por parte dos herodianos, dos fariseus e dos saduceus, que faziam parte de partidos religiosos. Todos procuravam testá-lo para fazê-lo cair em alguma contradição. Esperavam que Cristo dissesse alguma heresia contra as tradições judaicas ou que dissesse algo que fosse contra o regime de Roma. Todavia, ele silenciava a todos com a sua inteligência. Apesar de silenciá-los e de provocar grande admiração nesses opositores, tinha consciência de que logo iria morrer. Era só uma questão de tempo e ele seria apanhado longe da multidão, por isso ele discorria sem rodeios sobre seu julgamento e sobre as dores que iria padecer.
O clima era ameaçador, capaz de tirar o sono de qualquer um. A cúpula judaica já havia armado diversos esquemas para prendê-lo e matá-lo, do ponto de vista lógico, não havia espaço para Cristo se preocupar com outra coisa a não ser com a sua própria segurança. Entretanto, apesar da tensão exterior, ele não se deixava perturbar. O mundo à sua volta estava agitado, mas ele se mostrava tranqüilo e ainda tinha tempo para discorrer com seus íntimos sobre um amor transcendental, um amor que lança fora todo medo. Como é possível alguém que está rodeado de ódio discursar sobre o amor?
Cristo estava para ser eliminado da terra dos viventes, todavia ainda cuidava carinhosamente daqueles galileus que tantas vezes o decepcionaram. Preparava-os para serem fortes e unidos, em detrimento do drama que ele atravessaria. Equipava-os para que aprendessem a arte de amar.
Ele discursava sobre um amor difícil de ser investigado, que está muito além dos limites da sexualidade, dos interesses particulares. Um amor que se doa e se preocupa mais com os outros do que consigo mesmo.
Augusto Jorge Cury( A Análise da Inteligência de Cristo)
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